Introdução à Lógica

Curso de Filosofia – Régis Jolivet


“Ela [a Lógica] lhe dará a clareza de pensamento, a habilidade de ver seu caminho através de um quebra-cabeça, o hábito de arranjar suas ideias numa forma acessível e ordenada e, mais valioso que tudo, o poder de detectar falácias e despedaçar os argumentos ilógicos e inconsistentes que você encontrará tão facilmente nos livros, jornais, na linguagem cotidiana e mesmo nos sermões e que tão facilmente enganam aqueles que nunca tiveram o trabalho de instruir-se nesta fascinante arte.”
 (Lewis Carroll).

LÓGICA


 DEFINIÇÃO DA LÓGICA

O termo "lógica" vem de uma palavra grega que significa razão, A Lógica é, de fato, a ciência das leis ideais do pensamento, e a arte de aplicá-las corretamente à procura e à demonstração da verdade.



1.    A Lógica é uma ciência, isto é, um sistema de conhecimentos certos, fundados em princípios universais. Nisto, a Lógica filosófica difere da Lógica espontânea ou empírica, como o que é perfeito difere do imperfeito. Porque a Lógica natural não é mais do que uma aptidão inata do espírito para usar corretamente as faculdades intelectuais, mas sem ser capaz de justificar racionalmente, recorrendo aos princípios universais, as regras do pensamento correto,
2. Ciência das leis ideias do pensamento, a Lógica pertence por isto à filosofia normativa, porque não tem por fim definir o que é, mas o que deve ser, a saber, o que devem ser as operações intelectuais para satisfazer às exigências de um pensamento correto. Ela estabelece as condições, não de existência, mas de legitimidade.
3.     A lógica é também uma arte, isto é, um método que permite bem fazer uma obra segundo certas regras.  A Lógica, de fato, ao mesmo tempo em que define as leis ideais do pensamento, estabelece as regras do pensamento correto, cujo conjunto constitui uma arte de pensar. E como o raciocínio é a operação intelectual que implica todas as outras operações do espírito, define-se muitas vezes a lógica como a ciência do raciocínio correto.
4. A Lógica tem por fim a procura e a demonstração da verdade, porque a procura e a demonstração da verdade são o fim da inteligência e, por conseguinte, da Lógica, enquanto define as condições de validade das operações do espírito.

 IMPORTÂNCIA DA LÓGICA

       É necessário não exagerar nem depreciar a importância da Lógica científica.
1.    A Lógica empírica. — Podemos chegar e chegamos muitas vezes à verdade sem o auxílio da Lógica científica, sobretudo quando as operações intelectuais não comportam uma grande complexidade. Neste caso, é suficiente a Lógica espontânea, da qual a Lógica filosófica é tão-somente um aperfeiçoamento metódico, e LEIBNIZ disse com razão que "as leis da Lógica não são mais do que as regras do bom-senso colocadas em ordem e por escrito".



2.    A Lógica científica. — Mas se o bom-senso é sempre necessário, nem sempre é suficiente. Se se pode observar espontaneamente as regras de um pensamento correto, temos ainda mais probabilidades de o fazer quando estas regras são conhecidas e familiares. — Além disso, não se trata unicamente de conhecer a verdade: é necessário afastar as dificuldades e refutar os erros, e o bom-senso aí encalha muitas vezes, porque ignora as causas de erro e os processos sofísticos. — Enfim, o bom-senso pode tirar de uma verdade as conseqüências mais imediatas. Mas da mesma forma que não sabe elevar-se aos princípios universais, não sabe descer às conseqüências remotas.
A Lógica é então necessária para tornar o espírito mais penetrante e para ajudá-lo a justificar suas operações recorrendo aos princípios que fundam a sua legitimidade.

DIVISÃO DA LÓGICA


As grandes divisões da Lógica:


1.    Lógica formal ou menor. — É a parte da Lógica que estabelece a forma correta das operações intelectuais, ou melhor, que assegura o acordo do pensamento consigo mesmo, de tal maneira que os princípios que descobre e as regras que formula se aplicam a todos os objetos do pensamento, quaisquer que sejam.
Ora, como as operações do espírito são em número de três, a saber: a apreensão, o juízo e o raciocínio, a Lógica formal compreende normalmente três partes, que tratam da apreensão e da ideia, — do juízo e da proposição, — do raciocínio e da argumentação.

2.    Lógica material ou maior. — É a parte da Lógica que determina as leis particulares e as regras especiais que decorrem da natureza dos objetos a conhecer. Ela define os métodos das matemáticas, da física, da química, das ciências naturais, das ciências morais etc., que são outras tantas lógicas especiais.
À Lógica maior, podemos ligar o estudo das condições da certeza,  assim como dos sofismas pelos quais o falso se apresenta sob a  aparências do verdadeiro. Estas questões não se confundem absolutamente com aquelas de que trata a Crítica do conhecimento. Não se cuida, efetivamente, em lógica, senão de definir, de um ponto-de-vista formal, o que são de direito a verdade e o erro e quais são as condições de direito da certeza, enquanto que a Crítica do conhecimento tem por objeto resolver a questão de saber se de fato nossas faculdades de conhecer são capazes de atingir a verdade.


LÓGICA FORMAL


 A Lógica formal estabelece as condições de conformidade do pensamento consigo mesmo. Não visa, então, às operações intelectuais do ponto-de-vista de sua natureza: isto compete à Psicologia, mas do ponto-de-vista de sua validade intrínseca, quer dizer, de sua forma. Ora, todo raciocínio se compõe de juízos, e todo juízo, de ideias: há lugar, pois, para distinguir três operações intelectuais especificamente diferentes:

1.    Apreender, isto é, conceber  uma ideia.
2.    Julgar, isto é, afirmar ou negar uma relação entre duas ideias.
3.    Raciocinar, isto é, de vários juízos dados tirar um outro juízo que destes decorre necessariamente.
A Lógica estuda estas três operações em si mesmas, a saber, enquanto elas são atos do espírito, e nas suas expressões verbais, que são: para a apreensão, o termo; — para o juízo, a proposição; — para o raciocínio, o argumento.
Todos os princípios e todas as regras válidas das operações do espírito o são também e da mesma maneira de suas expressões verbais.


A APREENSÃO Ε O TERMO


DEFINIÇÕES

1.    Apreender significa apanhar, tomar, e a apreensão do ponto-de-vista lógico é o ato pelo qual o espírito concebe uma ideia, nem nada afirmar ou negar. A apreensão difere então do juízo, que, veremos, consiste em afirmar ou negar uma coisa de uma outra.
2.    A ideia, ou conceito, é a simples representação intelectual de um objeto. Difere essencialmente da imagem, que é a representação determinada de um objeto sensível.
3.    O termo é a expressão verbal da ideia. Do ponto-de-vista lógico, é necessário distinguir o termo da palavra. O termo pode de fato comportar várias palavras (por exemplo: o bom Deus, alguns homens, uma ação de estrondo), que, entretanto, constituem uma única ideia lógica.

COMPREENSÃO Ε EXTENSÃO


Pode-se considerar uma ideia, e assim também um termo, do ponto-de-vista da compreensão e do ponto-de-vista da extensão. Esta distinção é de importância capital para toda a lógica formal.

1.    A   compreensão   é   o   conteúdo   de  uma  ideia,   isto   é,   o conjunto de elementos de que uma ideia se compõe. Assim, a compreensão d,a ideia de homem implica os elementos seguintes:  ser, vivente, sensível,  racional.

2.    A extensão é o conjunto de sujeitos a que a ideia convém. É assim que  ideia do homem convém aos canadenses, aos franceses, aos negros, aos brancos, a Pedro, a Tiago etc.

3.    Relação da compreensão e da extensão.

a)     A compreensão de uma ideia está na razão inversa de sua extensão. A ideia de ser, que é a menos rica de todas, é também a mais universal; a ideia de homem, implicando elementos mais numerosos, não se aplica senão a uma parte dos seres; a ideia de francês, que acrescenta à ideia de homem novos elementos, é ainda mais restrita; enfim, a ideia, de tal indivíduo Pedro, Paulo, de que a compreensão é a mais rica, é também a mais limitada quanto à extensão.

b)     O gênero e a espécie. É assim possível ordenar as ideias o, portanto, os seres que elas representam, segundo uma hierarquia baseada em sua extensão. A ideia superior em extensão se chama gênero em relação à ideia inferior, e esta espécie em relação à primeira. Em princípio, chama-se gênero toda ideia que contém em si outras ideia gerais (animal em relação a homem, pássaro, peixe etc), e espécie toda ideia que não contém senão indivíduos.


 CLASSIFICAÇÃO DAS IDEIAS Ε DOS TERMOS

     
Podemos colocar-nos de vários pontos-de-vista para classificar as ideias.

1.     Do ponto-de-vista de sua perfeição.

a) A ideia é adequada desde que representem no espírito todos os elementos do objeto. É inadequada no caso contrário.

b)     A ideia é clara desde que seja suficiente para fazer reconhecer seu objeto entre todos os outros objetos, e obscura no caso contrário.

c)     A ideia é distinta ou confusa conforme faça conhecer ou não os elementos que compõem seu objeto. Uma ideia clara pode não ser distinta: um jardineiro tem uma ideia clara, mas não distinta (ao contrário do botânico) das flores que cultiva.   Pelo contrário, uma ideia distinta é necessariamente clara.


2.    Do ponto de vista de sua compreensão e de sua extensão.

a)     Quanto à compreensão, uma ideia é simples ou composta, conforme compreenda um ou mais elementos. A ideia de ser (o que é) é simples; a ideia de homem (animal racional) é composta.

b) Quanto à extensão, devemos distinguir:

A ideia singular: a que só pode aplicar-se a um único indivíduo Pedro, esta árvore, este livro.

A ideia particular: a que se aplica de maneira indeterminada a uma parte somente de uma espécie ou de uma classe dadas. Ela é marcada geralmente pelo adjetivo indefinido algum.

A ideia universal: a que convém a todos os indivíduos de um gênero ou de uma espécie dados: o homem, o círculo, o animal, a mesa etc.

A ideia singular equivale a uma ideia universal, porque, se ela se restringe a um único indivíduo, esgota ao mesmo tempo toda a sua extensão.

3. Do ponto-de-vista de suas relações mútuas. — As ideias poder ser entre si:

a) Contraditórias, quando uma é exclusiva da outra sem que haja intermediário possível entre uma e outra. Por exemplo: ser e não ser; estar em Paris e não estar em Paris; ser avarento e não ser avarento.

b) Contrárias, quando exprimem as notas mais opostas num gênero dado, de tal sorte que haja um intermediário entre eles: branco e preto; avarento e pródigo; estar em Paris e estar em Roma.


REGRA FORMAL DAS IDEIAS Ε DOS TERMOS


1.    Em si mesma, uma ideia não é nem verdadeira, nem falsa, porque não contém nenhuma afirmação. Ela é o que é e nada mais.

2.    Uma ideia pode ser contraditória, isto é, compreender elementos que se excluem mutuamente. Seja a ideia de círculo quadrado.

As idéias contraditórias só podem ser idéias confusas, porque é impossível conceber claramente e distintamente uma ideia realmente contraditória (que é, em realidade, um vazio de ideia).

É necessário, então, agir de maneira que nossas idéias não contenham elementos contraditórios. Ora, como a contradição nas idéias provém sempre de sua confusão, é necessário dissipar esta confusão analisando-as, isto é, é necessário defini-las e dividi-las.

A DEFINIÇÃO


 1. Noção. — Definir, segundo o sentido etimológico, é delimitar. A definição lógica consiste de fato em circunscrever exatamente a compreensão de um objeto, ou, em outros termos, em dizer o que uma coisa é.

2.    Divisão. — Distingue-se:

a)     A definição nominal, que exprime o sentido de uma palavra. Assim, dizer que a palavra "definir" significa "delimitar" é dar definição nominal.

b)     A definição real, que exprime a natureza da coisa mesma. A definição real pode ser:

Essencial. É a que se faz pelo gênero próximo e a diferença específica. Define-se, assim, o homem: um animal racional, animal sendo o gênero próximo, isto é, a ideia imediatamente superior, quanto à extensão, a ideia de homem, e racional sendo a diferença específica, isto é, a qualidade que, acrescentada a um gênero, constitui uma espécie, distinta como tal de todas as espécies do mesmo gênero.

Descritiva. É a que, à falta dos caracteres essenciais (gênero próximo e diferença específica), enumera os caracteres exteriores mais marcantes de uma coisa, para permitir distingui-la de todas as outras. (O carneiro é um animal ruminante de cabeça alongada, de nariz recurvado, olho terno etc.) É a definição em uso nas ciências naturais.

3.    Regras da definição. — Existem duas:

a)     A definição deve ser mais clara do que o definido. Portanto, é necessário que ela não contenha o termo a definir, — que não seja normalmente negativa, pois dizer que o homem não é um anjo, não é esclarecer a questão da natureza do homem, — enfim, que seja breve.

b)     A definição deve convir a todo o definido e apenas ao definido. Quer dizer que ela não deve ser nem muito sumária (o homem é um animal racional do cor branca),        nem  muito ampla (o homem é um animal).

 A DIVISÃO


A divisão de ideias em seus elementos é uma das mais necessárias para obter uma boa definição.

1.     Definição. — Dividir é distribuir um todo em suas partes. Há, então, tantas modalidades de divisões quantas de todos.

2.    Espécies.          Chama-se iodo o que pode ser subdividido fisicamente, ou ao menos idealmente, em muitos elementos. Donde três modalidades de todo: físico, lógico e moral.

a)     Físico. O todo físico é aquele cujas partes são realmente distintas. Este todo pode ser: quantitativo, enquanto composto de partes homogêneas: um bloco de mármore, — essencial, enquanto formando uma essência completa: o homem, — potencial, enquanto composto de diferentes faculdades: a alma humana como composto de inteligência e de vontade, — acidental, enquanto composto de partes unidas pelo exterior: uma mesa, um monte de seixos.

b)     Lógico (ou metafísico). O todo lógico é aquele em que as partes se distinguem apenas pela razão. Exprime-se por uma noção universal, que contém outras a título de partes subjetivas. Assim, o gênero contém suas espécies: tal ideia de metal em relação nos diferentes metais (ferro, estanho, cobre, zinco etc.) ou ainda a ideia de animal em relação a animal racional (homem) e a animal não racional (bruto).

c)     Moral. O todo moral é aquele cujas partes, atualmente distintas e separadas, são unidas pelo elo moral de um mesmo fim: uma nação, um exército, uma escola, uma família, dois amigos etc. É expresso por um conceito coletivo.

3.    Regras. — Uma divisão, para ser boa, deve ser:

a)     Completa ou adequada, isto é, enumerar todos os elementos de que o todo se compõe.

b)     Irredutível, isto é, não enumerar mais do que os elementos verdadeiramente distintos entre si, de maneira que nenhum esteja compreendido no outro. A divisão seguinte:   o  homem  se compõe de  um corpo, de uma alma e de  uma inteligência, peca contra esta regra, pois a alma humana compreende a inteligência.

c) Fundada no mesmo princípio, e, portanto, servir-se de membros verdadeiramente opostos entre si. A divisão seguinte: minha biblioteca se compõe de livros de Filosofia e de livros de formato in-8°, peca contra esta regra, porque formato in 8.° não se opõe a Filosofia.


O JUÍZO Ε Α PROPOSIÇÃO



1.      Definição do juízo. — O juízo é o ato pelo qual o espírito afirma alguma  coisa de outra; "Deus  é bom", o "homem  não é imortal" são juízes,   enquanto  um afirma de Deus a bondade, o outro nega do homem a imortalidade.

O   juízo   comporta   então   necessariamente   três   elementos,   a  saber: 

um sujeito, que é o ser de que se afirma ou nega alguma coisa;  
um atributo ou predicado: é o que se afirma ou nega do sujeito;
uma afirmação ou uma negação.

O sujeito e o atributo compõem a matéria do juízo e a forma do juízo resulta da afirmação ou da negação.

2. Definição  da proposição. — A proposição é a  expressão verbal do juízo.

Ela se compõe, como o juízo, de dois termos, sujeito e predicado, e de um verbo, chamado cópula (isto é, elo), pois liga ou desliga os dois termos.

O verbo da proposição lógica é sempre o verbo ser, tomado no sentido copulativo ou relativo, como nesta proposição: "Deus é bom", e não no sentido absoluto, em que ele significa existir, como nesta proposição: "Deus é". Muitas vezes o verbo gramatical compreende a um tempo o verbo lógico e o atributo. Assim, esta proposição: "Eu falo" se decompõe, do ponto-de-vista lógico, nesta: "Eu sou falante". Da mesma forma, "Deus existe" se decompõe assim: "Deus é existente".


ESPÉCIES DE JUÍZO E DE PROPOSIÇÕES


1. Classificação dos juízos do ponto-de-vista de sua forma e do ponto-de-vista de sua matéria.

a)    Do ponto de vista da forma. Distinguem-se os juízos afirmativos e os juízos negativos.

b)    Do  ponto de vista  da  matéria.   Distinguem-se  os  juízos analíticos e os juízos sintéticos.

Chama-se analítico um juízo em que o  atributo é ou idêntico do sujeito  (o que é o caso da definição; "O homem é um animal racional"), ou  essencial ao sujeito   ("O homem é  racional"), ou próprio  ao sujeito  ("O círculo é redondo").

Chama-se sintético um juízo cujo atributo não exprime nada de essencial, nem de próprio ao sujeito: "Este homem é velho", "O tempo está claro".

2. Classificação das proposições. — Podemos classificar as proposições do ponto de vista da quantidade e do ponto de vista da qualidade.

A. A quantidade de uma proposição depende da extensão do sujeito. Pode-se então distinguir:

a) As proposições universais: aquelas cujo sujeito é um termo universal, tomado universalmente. Por exemplo: "O homem (ou: todo homem) é mortal".

b)    As proposições particulares: aquelas em que o sujeito ê um termo particular: "algum homem é virtuoso".

c) As proposições singulares: aquelas cujo sujeito é um termo singular: "Pedro é sábio", "esta árvore é velha". Estas proposições, devem ser assimiladas, às proposições universais.

B. A qualidade de uma proposição depende da afirmação ou da negação, conforme a relação do atributo ao sujeito seja uma relação de conveniência ou de não-conveniência.

3) As quatro proposições - Como toda proposição tem no mesmo tempo uma quantidade e uma qualidade, podem se distinguir quatro espécies de proposições, que os lógicos designam por vogais, a saber:

a)     A universal afirmativa (A) : Todo homem é mortal.
b)     A  universal negativa   (E) :   Nenhum homem   é  puro espírito.
c)     A particular afirmativa (I) : Algum homem é sábio.
d)     A particular negativa (O) : Algum homem não é sábio.

4.    Relação  dos termos do  ponto-de-vista   da   extensão,  nas universais.

a)     Nas afirmativas  (A), o sujeito é tomado em toda a sua extensão, mas o predicado é tomado apenas em parte de sua extensão. "O  homem é mortal" significa que o homem é um dos mor tais, isto é, uma parte dos seres mortais.

b)     Nas negativas   (E),  o  sujeito  e o atributo  são tomados um e outro em toda a sua extensão: "Nenhum homem é puro espírito" significa que o homem não é nenhum dos puros espíritos.


DA OPOSIÇÃO


1. Noção. — Quando se tomam as proposições não já em si mesmas, mas em suas mútuas relações, verifica-se que elas podem opor-se entre si de várias maneiras. Definiremos então a oposição como a relação de duas proposições que, tendo o mesmo mi jeito e o mesmo predicado, têm uma qualidade ou uma quantidade diferente, ou seja, a um tempo, uma qualidade e uma quantidade diferentes.

2.    As diversas oposições. — São em número de quatro.



a) As proposições contraditórias. Chamam-se contraditórias duas proposições que diferem ao mesmo tempo pela quantidade o pela qualidade: uma nega o que a outra afirma, sem que haja intermediário entre a afirmação e a negação:

Todo homem é sábio (A). Algum homem não é sábio (0).

b)     As proposições contrárias. Chamam-se contrárias duas proposições universais que diferem pela qualidade:

Todo homem é sábio (A). Nenhum homem é sábio (E).

c)     As proposições sub contrárias. Chamam-se subcontrárias duas proposições particulares que diferem pela qualidade:

Algum homem é sábio  (I). Algum homem não é sábio (O).

d)     As proposições subalternas. Chamam-se subalternas duas proposições que só diferem em quantidade:

Todo homem é virtuoso (A). Algum homem é virtuoso  (I). Nenhum homem é puro espírito (E). Algum homem não é puro espírito  (0).

3. Lei das oposições.

a)     Lei das contraditórias. Duas proposições contraditórias (A e O, Ε e I) não podem ser nem verdadeiras, nem falsas ao mesmo tempo. Se uma é verdadeira, a outra é necessariamente verdadeira, a outra é falsa, a outra é necessariamente verdadeira.

b)     Leis das contrárias. Duas proposições contrárias (A e E) não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo; se uma é verdadeira, a outra é falsa. Podem, no entanto, ser falsas ao mesmo tempo.

Em matéria necessária (isto é, desde que o predicado seja da essência do sujeito), duas contrárias não podem ser simultaneamente falsas. Pode-se, então, concluir da falsidade de uma a verdade de outra
.
c)     Lei das subcontrárias. Duas proposições subcontrárias (I e O ) não podem ser falsas ao mesmo tempo. Mas podem ser verdadeiras ao mesmo tempo.

Em matéria necessária, duas subcontrárias não podem ser verdadeiras simultaneamente, Pode-se, então, concluir da verdade de uma a falsidade de outra.

d)        Leis das subalternas. Duas proposições subalternas (A e I, E e O) podem ser verdadeiras ao mesmo tempo e falsas ao mesmo tempo, assim como uma pode ser verdadeira e a outra falsa.


CONVERSÃO DAS PROPOSIÇÕES


1.     Natureza   da   conversão. — Seja   a   proposição   seguinte:

"Nenhum círculo é quadrado". Podemos enunciar a mesma verdade, invertendo os termos, isto é, fazendo do sujeito, predicado, e, do predicado, sujeito: "Nenhum quadrado é círculo". Desta forma convertemos a primeira proposição, quer dizer, transpomo-la, por inversão dos extremos, em uma outra proposição exprimindo a mesma verdade. A conversão pode então ser definida como o processo lógico que consiste em transpor os termos de uma propondo sem modificar a qualidade.

2.    Regra geral da conversão. — A proposição que resulta da conversão não deve afirmar (ou negar) nada mais do que a proposição convertida. Portanto, ora a quantidade da proposição não muda (conversão simples), ora, ao contrário, há mudança de quantidade (conversão por acidente).

3.    Aplicações.

a)     A universal afirmativa (A) se converte em uma particular afirmativa
Seja a proposição: 
"Todo homem é mortal". 
Homem é universal, e mortal é particular. 
Teremos então: "algum mortal é homem".

Esta proposição, como não se converte simplesmente, não é recíproca. É necessário abrir exceção para o caso em que a universal afirmativa é uma definição. 

Neste caso, ela se converte simplesmente: 

"O homem é um animal racional". 
"O animal racional é o homem".

b)     A universal negativa (E) se converte simplesmente, porque os dois termos são aí tomadas universalmente: 

"Nenhum homem é puro espírito". 
"Nenhum puro espírito é homem". 

Esta proposição é então recíproca.

c)     A particular afirmativa (I) se converte também simplesmente, quer dizer que ela é reciproca, porque os dois termos são aí tomados particularmente:
 "Algum homem é sábio". 
"Algum sábio é homem".

d)     A particular negativa (O) não pode ser convertida regularmente. 
Seja a proposição: 
 "Algum homem não é médico"; 

não se pode fazer do sujeito homem um atributo, porque ele tomaria uma extensão universal na proposição negativa:
 "Algum médico não é homem".

Mas podemos converter esta proposição por contraposição, isto é, acrescentando a particular negativa aos termos convertidos: 

"Algum homem não é médico"; 
"Algum não médico não é não homem";
 isto é: "Algum não médico é homem".  



O RACIOCÍNIO E O ARGUMENTO



1.     O raciocínio, em geral, é a operação pela qual o espírito, de duas ou mais relações conhecidas, concluí uma outra relação que desta decorre logicamente. Como, por outro lado, as relações são expressas pelos juízos, o raciocínio pode também definir-se como a operação que consiste em tirar de dois ou mais juízos um outro juízo contido logicamente nos primeiros.

O raciocínio é então uma passagem do conhecido para o desconhecido.

2.    O argumento é a expressão verbal do raciocínio.

3.    O encadeamento lógico das proposições que compõem o argumento se chama forma ou conseqüência do argumento.

As próprias proposições formam a matéria do argumento.

A proposição a que chega o raciocínio se chama conclusão ou conseqüente, e as proposições de onde é tirada a conclusão se chama coletivamente o antecedente:

O homem é mortal.
Ora, Pedro é homem (Antecedente).
Logo, Pedro é mortal {Conclusão).

4.    Conseqüência e conseqüente. — Estas definições permitem compreender que um argumento pode ser bom para a conseqüência e mau para a conclusão ou conseqüente.

Por exemplo:
Todo homem é imortal                                    Conseqüência boa.
Ora, Pedro é homem.                                       Conseqüente mau.
Logo, Pedro ó imortal.

  Do mesmo modo, um argumento pode ser mau para a conseqüência e bom para a conclusão ou conseqüente. 
Seja:

O homem é livre.                    Conseqüente bom.
Ora. Pedro é homem.             Conseqüência ma.
Logo, Pedro e falível.

5. A inferência. — O termo inferência é muitas vezes tomado como sinônimo de raciocínio. Na realidade, tem um sentido multo geral e se aplica não somente a toda espécie de raciocínio’ (dedução, indução), mas também, embora menos propriamente, às. diferentes operações de conversão. Servimo-nos, neste último-caso, do termo inferência imediata.


DIVISÃO
       
Como o raciocínio consiste em se servir do que se conhece para encontrar o que se ignora, dois casos podem produzir-se, conforme seja o que se conhece inicialmente uma verdade universal (raciocínio dedutivo), ou um ou vários casos singulares (raciocínio indutivo).

1.    O raciocínio dedutivo. —  O   raciocínio   dedutivo   é   um movimento de pensamento que vai de uma verdade universal a uma outra verdade menos universal (ou singular). 

Por exemplo:

Tudo o que é espiritual é incorruptível.
Ora, a alma humana é espiritual.
Logo, a alma humana é incorruptível.

"A alma humana é incorruptível" é uma verdade menos geral do que a que enuncia que "tudo o que é espiritual é incorruptível".

A expressão principal deste raciocínio é o silogismo.

2. O raciocínio indutivo:   O   raciocínio   indutivo  é  um movimento de pensamento que vai de uma ou várias verdades singulares a uma verdade universal. 

Sua forma geral é a seguinte:

O calor dilata o ferro, o cobre, o bronze, o aço.
Logo, o calor dilata todos os metais.

O SILOGISMO


1.    Natureza do silogismo.   —   O   silogismo   é   um   argumento pelo qual, de um antecedente que une dois termos a um terceiro, tira-se um conseqüente que une estes dois termos entre si.

a)     Composição do silogismo. Todo silogismo regular se compõe então de três proposições, nas quais três termos são comparados dois a dois. Estes termos são:

O termo maior (T), assim chamado porque é o que tem maior extensão.
O termo menor (t), assim chamado porque é o que tem menor extensão.
O termo médio (M), assim chamado porque é o intermediário entre o termo maior e o menor.

As duas primeiras proposições, que compõem coletivamente o antecedente, se chamam premissas, e a terceira, conclusão. — Das duas premissas, a que contém o termo maior se chama maior. A que contém o termo menor se chama menor.

b)     Forma do silogismo

Para compreender a natureza do silogismo, tal como o definimos, suponhamos que procurássemos a relação que existe entre a caridade e a amabilidade, estabelecendo esta relação, não empiricamente, mas logicamente, isto é, sobre princípios necessários. 

Para conhecer esta relação e sua razão de ser, iremos comparar sucessivamente a caridade à virtude e a amabilidade à virtude, porque sabemos que a caridade é uma virtude e que a virtude é amável. 

Podemos concluir desta comparação que a  caridade,  sendo uma virtude,  é necessariamente amável.  Quer dizer que deduzimos da identidade (lógica) da amabilidade e da caridade à virtude, a identidade da amabilidade e da caridade. A ideia de virtude nos serviu, então, de termo médio. Donde o silogismo seguinte:

      Μ              Τ
A virtude é amável.
  t                         Μ
Ora, a caridade é uma virtude.
    t                Τ
Logo, a caridade é amável.

Pode-se imediatamente deduzir da forma do silogismo, tal qual ressalta do que acabamos de dizer, que o termo médio deve encontrar-se nas duas premissas, em relação, numa (maior), com o termo maior, noutra (menor), com o termo menor — e que ele não deve jamais encontrar-se na conclusão.

2. Princípios do silogismo. — Estes princípios decorrem da natureza do silogismo. O primeiro é tomado do ponto-de-vista da compreensão, isto é, da consideração do conteúdo das idéias presentes no silogismo. O segundo é tomado do ponto-de-vista da extensão, isto é, da consideração das classes ou dos indivíduos aos quais se aplicam as idéias presentes no silogismo. 

Estes dois pontos-de-vista são, de resto, rigorosamente correlativos.

a)     Princípio da compreensão. Duas coisas idênticas a uma terceira são idênticas entre si.
Duas coisas das quais uma é idêntica e a outra não é idêntica a uma terceira não são idênticas entre si.

b)     Princípio da extensão. Tudo que é afirmado universalmente de um sujeito é afirmado de tudo que é contido neste sujeito. Se se afirma universalmente que a virtude é amável, afirma-se pelo mesmo fato que cada uma das virtudes é amável.

Tudo que se nega universalmente de um sujeito é negado de tudo que está contido neste sujeito. Se se nega universalmente que o homem é imortal, a negação se aplica necessariamente a cada um dos homens.


Regras do silogismo


As regras do silogismo não são nada mais que aplicações variadas dos princípios que acabamos de enunciar.

Os lógicos enumeram oito regras do silogismo, das quais quatro se referem aos termos e quatro às proposições. Mas estas oito regras podem ser reduzidas a três regras principais, a saber:

1.    Primeira regra. — O silogismo não deve conter senão três termos.

a) Peca-se muitas vezes contra esta regra dando ao termo médio duas extensões (e, por conseguinte, duas significações) diferentes, o que equivale a introduzir um quarto termo no silogismo. 

No exemplo seguinte:

O cão ladra.
Ora, o cão é uma constelação.
Logo, uma constelação ladra,

O  termo médio cão é tomado num sentido, na maior, e, num outro, na menor. Existem, então, quatro termos.

b)     Peca-se ainda contra esta regra, tomando duas vezes o termo médio particularmente. 

Por exemplo, no silogismo:

Alguns homens são santos.
Ora, os criminosos são homens.
Logo, os criminosos são santos.

O termo médio homens, sendo particular nas duas premissas, é tomado, numa, em parte de sua extensão, e noutra, numa outra parte de sua extensão, o que dá quatro termos.

c)     Peca-se, enfim, contra a mesma regra dando ao termo menor ou ao maior uma extensão maior na conclusão do que nas premissas.

Seja o silogismo:

Os etíopes são negros.
Ora, todo etíope é homem.
 Logo, todo homem é negro.

Este silogismo tem quatro termos, porque homem é tomado particularmente na menor e universalmente na conclusão. Para que o silogismo fosse  correto, dever-se-ia concluir:  "Logo  algum homem é negro".

2.    Segunda regra. — De duas premissas negativas, nada se pode concluir. Se, de fato, nem o termo menor, nem o termo maior são idênticos ao médio, não há relação entre eles, nenhuma conclusão é possível. É assim que nada se segue destas premissas:

O homem não é um puro espírito.
Ora, um puro espírito não é mortal.
 Logo…

3.    Terceira regra. — De duas premissas particulares, nada se pode concluir. De fato, neste caso, três hipóteses são possíveis:

a)     As duas premissas são afirmativas. O termo médio é, então, tomado duas vezes particularmente (pois, nas particulares afirmativas, o sujeito e o predicado são ambos particulares) e o silogismo tem quatro termos.

b)     As duas premissas são negativas. Peca-se, então, contra a segunda regra.

c)     Uma premissa é afirmativa, a outra negativa. O médio deve então ser atributo da negativa, que é o único termo universal das premissas. 

Mas, como a conclusão será particular negativa, o termo maior, que é seu predicado, será tomado universalmente, e terá por conseguinte maior extensão do que nas premissas, e o silogismo terá quatro termos.

Nada se pode concluir de duas premissas particulares, sem violar uma das regras do silogismo.


Espécies do silogismo

Distinguem-se duas espécies de silogismos: o silogismo categórico, o silogismo hipotético.

A. Definições.

1.    O silogismo categórico é aquele em que a maior afirmo ou nega puramente e simplesmente. É o de que tratamos até aqui.

2.    O silogismo hipotético põe, na maior, uma alternativa, o na menor, afirma, ou nega, uma, das partes da alternativa.

B.    O silogismo hipotético

1.    Divisão — Existem três espécies do silogismos hipotéticos:

a)   O  silogismo condicional:  aquele em que a maior  é uma proposição condicional:

Se Pedro estudar, será bem sucedido nos exames.
Ora,  ele estuda.
Logo, será bem sucedido nos exames.

b) O silogismo disjuntivo: aquele em que a maior é uma proposição  disjuntiva:

Ou Pedro é estudioso, ou é preguiçoso.
Ora, ele é estudioso.
Logo, não é preguiçoso.

c) O silogismo conjuntivo: aquele em que a maior é uma proposição conjuntiva:

Pedro não lê e passeia ao mesmo tempo.
Ora, ele passeia. Logo, ele não lê.

2.    Redução. — O silogismo disjuntivo e o silogismo conjuntivo se reduzem a silogismos condicionais.

a)     Redução do silogismo disjuntivo:

Se Pedro é estudioso, não é preguiçoso. 
Ora, ele é estudioso. 
Logo, não é preguiçoso.

b)     Redução do silogismo conjuntivo:

Se Pedro passeia, não lê. 
Ora, ele passeia. 
Logo, não lê.

3.    Regras. — São em número de quatro.

a)     Dar a condição, é dar o condicionado: 

Se Pedro estuda, ele existe. 
Ora, ele estuda. 
Logo, ele existe.

b)    Dar o condicionado, não é dar a condição: 

Se Pedro estuda, ele existe. 
Ora ele existe. 
Logo, ele estuda.

 (Conclusão ilegítima, pois Pedro pode existir sem estudar).

c)     Negar o condicionado é negar a condição: 

Se Pedro estuda, ele existe. 
Ora, ele não existe. 
Logo, ele não estuda.

d)     Negar a condição não é negar o condicionado’. 

Se Pedro estuda, ele existe. 
Ora, ele não estuda. 
Logo, ele não existe.

 (Conclusão ilegítima, pois Pedro pode existir sem estudar).


OS   SILOGISMOS   INCOMPLETOS   Ε  COMPOSTOS


Os mais empregados são o entimema, o sorites e o dilema.


1.    O entimema. ,__. É o silogismo em que uma das premissas é subentendida:

Todo corpo é material.
Logo, a alma não é um corpo.

Este argumento subentende a menor seguinte:
Ora, a alma não é material.

2.    O sorites. — É uma série de proposições encadeadas, de maneira que o atributo da primeira seja sujeito da segunda, o atributo da segunda sujeito da terceira, até a última proposição, na qual estão reunidos o primeiro sujeito e o último atributo.

Pedro é uma criança obediente.
A criança obediente é amada por todos.
Aquele que é amado por todos é feliz.
Logo, Pedro  é feliz.

3.    O dilema. — É um argumento que força o adversário i\ uma alternativa em que cada parte conduz à mesma conclusão:

Ou tu estavas em teu posto, 
ou tu não estavas. 
Se tu estavas, faltaste a teu dever. 
Se tu não estavas, fugiste covardemente. 
Nos dois casos, mereces ser castigado.



VALOR DO SILOGISMO


1.   Objeções.      Propuseram-se contra  o  valor do silogismo várias objeções, que se  podem  reduzir as duas seguintes:

a)     O silogismo seria apenas um puro verbalismo.  

É a objeção constantemente retomada, desde DESCARTES, contra o silogismo. Este se reduziria a  uma pura tautologia,  isto é,  à pura e simples repetição da mesma coisa. Ele não produziria, então,  nenhum progresso real para o espírito   É o que  STUART MILL, em  particular, se esforçou por demonstrar. Com efeito, diz ele examinaremos o  silogismo seguinte:

O homem é um ser inteligente.
Ora, Tiago é homem.
Logo, ele é um ser inteligente.

Verificamos que, para poder afirmar legitimamente a maior universal "O homem é um ser inteligente", cumpre primeiro saber que Pedro, Paulo, Tiago etc. são seres inteligentes. 
A conclusão não pode, pois, ensinar-me nada que ainda não conheça. Por conseguinte, o silogismo é um puro verbalismo.

b) O silogismo categórico se reduziria a um silogismo hipotético. 

Esta objeção não faz, na realidade, mais do que retomar e estender a objeção precedente. Consiste em dizer que, na impossibilidade de podermos enumerar todos os casos particulares, cuja verdade permitisse formular categoricamente a maior universal, todo silogismo que contivesse como maior uma proposição cujo sujeito fosse uma noção universal, seria, simplesmente, um silogismo hipotético. 

O silogismo, precedente se reduziria, então, a este silogismo hipotético: "Se todos os homens são seres inteligentes, Tiago, sendo um homem, é um ser inteligente", ou, mais brevemente: "Se  Tiago é homem,  é inteligente".

2.    Discussão.

a)     O silogismo é instrumento de descoberta.  

Com efeito, as . objeções a que acabamos de nos referir supõem erradamente que a conclusão está contida explicitamente na maior. De fato, a conclusão não está contida senão virtualmente (ou implicitamente) na maior, o que obriga a recorrer, para descobri-la, a uma ideia intermediária (o termo médio). Daí se segue, também, que a conclusão acrescenta algo de novo e realiza um progresso no conhecimento, a saber, o progresso que consiste em descobrir numa ideia o que nela está contido, mas que se não via imediatamente. Eis por que Aristóteles fala justamente da causalidade do termo médio, assinalando assim seu poder de fecundidade na ordem do conhecer.

b)     Valor do silogismo categórico. 

Todo silogismo categórico não se reduz a um silogismo hipotético. Os que levantam esta objeção se apoiam sem prova, numa doutrina que nega o valor das idéias universais. A discussão desta doutrina pertence, sobretudo, à Crítica do conhecimento. Mas já se pode observar aqui que o conceito (ou ideia universal) exprime, de início, uma essência ou uma natureza real e objetiva e que, sob este aspecto, tem um conteúdo próprio, aplicável universalmente a todas as espécies do mesmo gênero e a todos os indivíduos da mesma espécie. Em outras palavras, o conceito exprime alguma coisa que deve ser reencontrada em todas as espécies (se é um conceito genérico) e em todos os indivíduos (se é um conceito específico). Eis por que nós diremos mais adiante que o conceito exprime o universal e o necessário : como tal serve legitimamente de base ao silogismo categórico.

Pode-se notar, ainda, que a objeção é contraditória em si mesma. Ela quer, de fato, reduzir o silogismo categórico à forma seguinte: "Se Tiago é um homem, é um ser inteligente". Ora, a relação necessária, assim estabelecida, entre dois atributos ou duas noções (humanidade e inteligência), não pode ela própria ser dada evidentemente se não existe uma outra natureza humana, o que quer dizer que o juízo hipotético supõe um juízo categórico. Assim, longe de o silogismo categórico reduzir-se a um silogismo hipotético, é o silogismo hipotético que implica necessariamente num juízo categórico, pois não se pode enunciar a proposição "Se Tiago é um homem, é um ser inteligente" a não ser partindo do juízo categórico:  "Ό homem é um ser inteligente".

3.    A  verdadeira natureza do silogismo.

Vê-se, pelo que precede, qual é a natureza do silogismo. Já vimos que ele se funda menta na essência das coisas. Isto equivale a dizer que:

a)     O silogismo se fundamenta, no necessário.  A   essência.  é efetivamente, nos seres, o que é necessário, isto é, o que não pode não ser   (suposto que os seres sejam). Assim não é necessário que o homem exista (porque Dons o criou livremente) ; mas, se existe, o homem é necessariamente um animal  racional.   Da   mesma   forma não c necessário que o círculo exista;  mas, se existem objetos em forma de círculo, é necessário que sejam redondos. Por conseguinte, quo o homem seja um ser inteligente ou que o círculo soja rodou do,   não é   isto   uma  simples  constatação  empírica,  que  se   justificasse apenas pela comprovação do que cada homem individualmente é um ser inteligente, e que cada objeto de forma circular é redondo.— mas estas são verdades necessárias, decorrentes do que são, por sua própria essência, a natureza humana e o circulo.
Compreende-se assim como o silogismo, fundamentando-se na essência, quer dizer, no necessário, fornece autenticamente uma explicação ou uma razão de ser, e não um simples fato.

b)    O silogismo se alicerça no universal. Com efeito o que é necessário é, por isso mesmo, universal. Isto deve entender-se do duplo ponto-de-vista da compreensão  e  da extensão. Porque toda, natureza  encerra sempre os atributos  que lhe convenham essencialmente: eles constituem o âmbito do necessário. (Onde existe natureza humana, existe animalidade e racionalidade.) — Da mesma forma, tudo que se atribui a um universal convirá necessariamente a todos os sujeitos singulares que compõem este universal.  (Tudo que se atribui ao homem, como tal, convirá a todos os homens tomados individualmente.)


A  INDUÇÃO



I.    Noções gerais.

a)     Definição. A indução é um raciocínio pelo qual o espírito, de dados  singulares suficientes, infere uma verdade  universal.

O  ferro conduz eletricidade, o cobre, também, o zinco, também
Ora, o ferro, o cobre, o zinco são metais.
Logo, o metal conduz eletricidade.

b)    Natureza da indução..   A   definição   que   precede   nos permite compreender que a indução difere essencialmente da dedução.
Com efeito, está no raciocínio dedutivo a conclusão contida nas premissas como aparte no todo, enquanto que, no raciocínio indutivo, isto é fácil de ver comparando os seguintes  exemplos:

Dedução
O metal conduz eletricidade.
Ora, o ferro é um metal.
Logo, o ferro conduz eletricidade.

Indução
O ferro, o cobre, o zinco…  conduzem eletricidade.
Ora, o ferro, o cobre, o zinco… são metais.
Logo, o metal conduz eletricidade.

2.   Princípio da indução. — Podemos enunciá-lo assim:

O que é verdadeiro ou falso de muitos indivíduos suficientemente enumerados de uma espécie dada, ou de muitas partes suficientemente enumeradas de um todo dado, é verdadeiro ou falso desta espécie  e deste todo.
Os processos do raciocínio indutivo adotados pelas ciências experimentais serão estudados na Lógica material.
Quanto à questão do fundamento da indução ou do valor do raciocínio indutivo, .iremos reencontrá-la na Lógica maior (indução científica)  e na Psicologia   (abstração).



LÓGICA MATERIAL


1. Definição. — Após ter estudado as leis que asseguram a retidão do raciocínio, quer dizer, a conformidade do pensamento consigo mesmo, temos de nos perguntar a que condições o pensamento deve satisfazer para ser não apenas correto, mas ainda verdadeiro, isto é, conforme aos diversos objetos que o espírito pode procurar conhecer. A Lógica material é então a que considera a matéria do conhecimento e determina as vias a seguir para chegar segura e rapidamente à verdade. Esta parte da Lógica é muitas vezes chamada também de Metodologia, porque ela é um estudo dos diferentes métodos empregados nas ciências.
Por outro lado, a Lógica maior, fazendo intervir  a noção da verdade como  conformidade do espírito  às coisas, convida preliminarmente ao estudo dos métodos, o estudo das condições de direito que permitirão ao espírito supor-se legitimamente certo, quer dizer, como realmente conforme às coisas.

2.    Divisão. — A lógica material comportará as seguintes divisões: as condições da certeza, — o método em geral, e os processos gerais da demonstração científica, análise e síntese, — noção da ciência e das ciências, — os diferentes métodos.



AS  CONDIÇÕES  DA CERTEZA


Estudamos até aqui os princípios e estabelecemos as regras do raciocínio correto. Mas, apesar do conhecimento destes princípios e o uso destas regras, o homem continua sujeito a erro, e de fato se engana muitas vezes, tomando o falso pelo verdadeiro. É necessário, também, definir a verdade e o erro, conhecer os processos sofísticos pelos quais o erro se apresenta com as aparências da verdade e determina que indícios permitem, com retidão, distinguir a verdade do erro.

A VERDADE E O ERRO


A   VERDADE

Ora falamos de "vinho genuíno", de "ouro verdadeiro", ora dizemos: "Este vinho é bom", "este ouro é puro", "este quadro é belo". Nos dois casos, queremos afirmar que o que é, é. E é nisto mesmo que consiste a verdade em geral.
Mas existe, contudo, uma diferença entre os dois gêneros de expressões que acabamos de citar. A primeira exprime uma verdade ontológica, a segunda uma verdade lógica.

1. A verdade ontológica 

Exprime o ser das coisas, enquanto corresponde exatamente ao nome que se lhe dá, enquanto, por conseguinte, é conforme à ideia divina de que procede. As coisas, com efeito, são verdadeiras enquanto são conformes às idéias segundo as quais foram feitas. Conhecer esta verdade, quer dizer, conhecer as coisas tais quais são, é tarefa de nossa inteligência.

2. A verdade lógica

Exprime a conformidade do espírito às coisas, isto é, à verdade ontológica. Desde que eu afirme: "Este ouro é puro", enuncio uma verdade, se verdadeiramente a pureza pertence a este ouro, isto é, se meu julgamento está conforme ao que é.

Segue daí que a verdade lógica só existe no juízo, e jamais na simples apreensão. A noção "ouro puro" não exprime nem verdade nem erro. Neste exemplo, não pode existir verdade, a não ser que o espírito, afirmando uma coisa de uma outra, conheça seu ato e sua conformidade ao objeto, o que se produz unicamente no juízo.

OS DIVERSOS ESTADOS DE ESPÍRITO EM  PRESENÇA DO VERDADEIRO

O espírito, em relação ao verdadeiro, pode encontrar-se em quatro estados diferentes, o verdadeiro pode ser para ele como não existente: é o estado de ignorância; — o verdadeiro pode aparecer-lhe como simplesmente possível: é o estado da dúvida; — o verdadeiro pode aparecer-lhe como provável: é o estado de opinião; enfim, o verdadeiro pode aparecer-lhe como evidente: é o estado de certeza.

A.    A ignorância.

1.    Definição. — A ignorância é um estado puramente negativo, que consiste na ausência de todo conhecimento relativo a um objeto.
2.    Divisão. — A ignorância pode ser: vencível ou invencível, conforme esteja ou não em nosso poder fazê-la desaparecer; — culpável ou desculpável, conforme seja ou não nosso dever fazê-la desaparecer.

B.    A dúvida.
1. Definição. — A dúvida á um estado de equilíbrio entre a afirmação e a negação, resultando daí que os motivos de afirmar contrabalançam os motivos de negar.
2.    Divisão. — A dúvida pode ser:
a)     Espontânea, isto é, que consiste na abstenção do espírito por falta de exame do pró e do contida.
b)     Refletida, isto é, resultante dos exames das razões pró e contra.
c)     Metódica, isto é, que consiste na suspensão fictícia  ou real. mas sempre provisória, do assentimento a uma asserção tida até então por certa, a fim de lhe controlar o valor.
d)     Universal, isto é, que consiste em considerar toda asserção como incerta. É a dúvida dos cépticos.

C.   A  opinião.
1.    Definição. — A opinião é o estado de espírito que afirma com temor de se enganar. Contrariamente à dúvida, que é uma suspensão do juízo, a opinião consiste, pois, em afirmar, mas de tal maneira que as razões de negar não sejam eliminadas por uma certeza total. O valor da opinião depende assim da maior ou menor probabilidade das razões que fundamentam a afirmação.

2.Divisão da probabilidade.

a)Probabilidade matemática. É aquela em que todos os casos possíveis, sendo da mesma natureza, em número finito, e conhecidos de antemão, apresentam um grau de probabilidade que pode  ser avaliado de forma fracionária. O denominador exprimi o número do casos possíveis e o numerador o número de casos  favoráveis Numa caixa que contenha 6 bolas pretas e 4 bolas brancas, a probabilidade de extração de uma. bola branca será matematicamente de 4/1.0.

b) Probabilidade moral. É aquela que se aplica aos acontecimentos em que intervém em qualquer grau a liberdade humana.

D).    A certeza e a evidência.

1. Definições. A certeza é o estado do espírito que consiste na adesão firme, a urna verdade conhecida,, sem  temor do engano. A evidência é  o que fundamenta a certeza.  Definimo-la como a clareza plena pela qual o verdadeiro se impõe à adesão da inteligência.

2.    Divisão. — Podemos colocar-nos de vários pontos-de-vista para dividir a certeza  (e a evidência em que se baseia).

a)     Do ponto-de-vista de seu fundamento, a certeza pode ser:

Metafísica, quando se baseia na própria essência das coisas, de tal sorte que a asserção contraditória seja necessariamente absurda e inconcebível. Tal é a certeza deste princípio: "O todo é maior do que a parte".

Física, quando se baseia em leis de natureza material ou na experiência, de tal sorte que a asserção contrária seja simplesmente falsa, mas não absurda nem inconcebível. Tal é a certeza desta asserção: "O metal é condutor de eletricidade", ou desta: "Eu estou doente".

Moral, quando se baseia numa lei psicológica ou moral, de tal sorte que a asserção seja verdadeira no maior número de casos. Tal é a certeza desta asserção: "A mãe ama seus filhos", ou desta: "O homem repudia a mentira…"

b)     Do ponto-de-vista do modo pelo qual nós a alcançamos, a certeza pode ser:

Imediata ou mediata, conforme seja alcançada num primeiro exame do próprio objeto, ou por intermédio da demonstração. 

Por exemplo:

O que é, é  (certeza imediata).
A soma dos ângulos do triângulo é igual a dois retos (certeza mediata).

Intrínseca ou extrínseca, conforme resulte da visão do próprio objeto, ou, ao contrário, da autoridade do que viu o objeto. 

Por exemplo:

É dia, dois e dois são quatro (certeza intrínseca ou científica).
Roma foi fundada por Rômulo (certeza extrínseca ou crença). Todas as asserções Históricas são para nós suscetíveis apenas de uma certeza extrínseca.


O Erro


1. Natureza do erro. — Se a verdade lógica é a conformidade da inteligência às coisas, o erro, que é seu contrário, deverá ser definido como a não-conformidade do juízo as coisas.

Enganar-se não é ignorar pura e simplesmente. A ignorância consiste propriamente em nada saber e em nada afirmar, enquanto que o erro consiste em não saber e afirmar acreditando saber. É uma ignorância que se ignora.

2.    Causas do erro. — O erro tem causas lógicas e causas morais.

a)     Causas lógicas. Provém da fraqueza natural do nosso espírito;  falta de penetração; falta de atenção; falta de memória.

Todavia, esta imperfeição notável do espírito não é jamais a suficiente do erro. Porque como a inteligência só é obrigada a assentir pela evidência do verdadeiro, jamais se enganaria, ou, em outras palavras, jamais manifestaria sua adesão fora da evidência, a não ser que estivesse sofrendo uma influência estranha. Esta influência estranha é a vontade submetida às paixões, e, por conseguinte, as verdadeiras causas do erro são quase sempre causas morais.

b)     Causas morais. Podemos reduzi-las a três principais, que são: a vaidade, pela qual confiamos em demasia nas nossas luzes pessoais, — o interesse, pelo qual preferimos as asserções que nos são favoráveis, — a preguiça, pela qual recuamos ante a informação e o trabalho necessários, aceitando sem controle os preconceitos em voga, a autoridade dos falsos sábios, as aparências superficiais, os equívocos da linguagem etc.

3.    Os remédios contra o erro. — Se o erro tem causas lógicas e causas morais, devemos combatê-lo por remédios lógicos e reme dos morais.

a)     Remédios lógicos.  Constituem espécie de higiene intelectual, e tendem a desenvolver a retidão e o vigor do espírito, pela aplicação metódica das regras lógicas e, pelo controle da imaginação, o desenvolvimento da memória.
b)     Remédios morais. São, naturalmente, os mais importantes. Resumem-se no amor da verdade que nos inclina a desconfiar de nós mesmos, a julgar com uma perfeita imparcialidade, a agir com paciência, circunspeção e perseverança na procura da verdade.



OS SOFISMAS


1. Definições. — Dá-se o nome de sofisma a um raciocínio errado que se apresenta com as aparências da verdade. Se o sofisma é cometido de boa-fé e sem intenção de enganar, chamá-lo-emos de paralogismo. Mas esta distinção, segundo a boa ou má-fé, compete ao moralista. Para o lógico, sofisma e paralogismo são uma única e mesma coisa.

2. Divisão. — O erro pode ter duas espécies de causa: ou bem o erro provém da linguagem ou bem provém das idéias de que se compõe o raciocínio. Donde os dois tipos de sofismas: os Sofismas de palavras e os sofismas de coisas ou idéias.


OS SOFISMAS DE PALAVRAS


Os sofismas verbais decorrem da identidade aparente de certas palavras. Os principais são:


1. O equívoco, que consiste em tomar, no raciocínio, uma mesma palavra em vários sentidos diferentes. 

2.    A confusão do sentido composto e do sentido dividido que se verifica, quando se reúne no discurso, isto é, quando se toma coletivamente o que é dividido na realidade, ou que se divide no discurso, isto é, que se toma separadamente o que na realidade não é mais do que um. 


3. A Metáfora que consiste em tomar a figura pela realidade. Este gênero de sofisma  é  freqüente,   principalmente   quando   se fala de coisas espirituais: como devemos servir-nos de imagens sensíveis para exprimi-las, facilmente a imagem se substitui à coisa e se torna uma fonte de erros.

SOFISMAS DE IDEIAS OU DE COISAS


Estes sofismas provêm não da própria expressão, mas da ideia que é expressa, e portanto referem-se às coisas. Dividem-se em sofismas de indução e em sofismas de dedução, conforme resultem de uma indução ilegítima ou de uma dedução ilegítima.

1.   Sofismas de indução.


a)   Sofismas do acidente. Consiste em tomar por essencial ou habitual o que só é acidental e inversamente.

b)     Sofisma da ignorância da causa. Consiste em tomar por causa um simples antecedente ou alguma circunstância acidental.

c)     Sofisma do arrolamento imperfeito. Consiste em tirar uma conclusão geral de uma enumeração insuficiente. 

d)     Sofisma da falsa analogia. Consiste em concluir o que é um objeto pelo que é um outro, apesar de sua diferença essencial, apoiando-se em uma de suas semelhanças. 


2-    Sofismas de dedução.


a) Falsa conversão e oposição ilegítima (reportar-se à Lógica formal, no que concerne à conversão e oposição das proposições).  

b) Ignorância do assunto. Este sofisma consiste ou em provar uma coisa fora de questão, ou, tratando da questão, provar de mais ou de menos. Tal seria o raciocínio que quisesse provar que o Soberano Pontífice não é infalível porque pode pecar.

c) Petição de princípio. Este sofisma consiste em tomar como princípio do argumento aquilo que está em questão. 
Tal é o argumento seguinte:
O pensamento é um produto do cérebro.
Logo, o pensamento é um atributo da matéria orgânica.

d) Círculo vicioso. Este sofisma consiste em demonstrar uma pela outra duas proposições que carecem igualmente de demonstração. Tal seria o argumento que provasse a ordem do mundo pela sabedoria divina e a sabedoria divina pela ordem do mundo.


Refutação dos Sofismas


1. Sofismas de palavras. — Para refutar os diversos sofismas de palavras, não existe outro meio senão o de criticar implacavelmente a linguagem, a fim de determinar exatamente o sentido das palavras que se empregam.
2. Sofismas de idéias. — Os sofismas de idéias ou de coisas pecam quer pela matéria quer pela forma. Para refutá-los, é preciso, pois, examiná-los do duplo ponto-de-vista da matéria e da forma. Uma premissa ou duas premissas de uma vez podem ser falsas ou ambíguas. Se são falsas, é preciso negá-las; se são ambíguas, é preciso distingui-las, isto é, precisar os seus diferentes sentidos. Se o argumento peca pela forma a conseqüência deve ser negada.


O CRITÉRIO DA CERTEZA


1.     NATUREZA DO CRITÉRIO

 1. Definição. — Chama-se critério o sinal graças ao qual se conhece uma coisa, distinguindo-se de todas as outras. Ora, já que opomos constantemente a verdade ao erro, dizendo "Isto é verdadeiro, isto é falso", devemos possuir algum sinal ou critério pelo qual nós reconhecemos a verdade. É este sinal que nós chamamos critério da verdade, e, como é por este sinal que devemos possuir a certeza, chama-se também, colocando-nos no ponto-de-vista, não mais do objeto que aparece, mas do espírito que conhece, o critério da certeza.

2.  O critério supremo. —     Distinguem-se os critérios particulares e um critério supremo e universal. Os primeiros são próprios a cada ordem de verdade: existem assim critérios históricos, matemático, moral etc. O critério supremo da verdade e da certeza, do qual, unicamente, nos ocuparemos aqui, é o sinal distintivo de toda espécie de verdade, aquele que não supõe nenhum outro, no qual todos os outros se subordinam e que constitui a razão derradeira de toda certeza.

 2.   O Critério da Evidência
       
O critério supremo da verdade e a razão última de toda certeza é a evidência.

1.    Natureza da evidência. — Definimos mais acima a evidência como a plena clareza com a qual o verdadeiro se impõe  à adesão da inteligência. Será suficiente para nós aqui explicar esta definição.

a)     A evidência é o resplendor do verdadeiro. Ela é, aos olhou do espírito, enquanto ilumina os objetos do pensamento, o que o sol, iluminando os seres materiais, é, aos olhos do corpo.

b)     É esta clareza que determina em nós a adesão, pois é da natureza da inteligência dar seu assentimento à verdade, desde que ela seja claramente percebida. A evidência exerce assim sobre o espírito uma espécie de coação, pela qual se torna impossível aquele que vê a verdade julgar que não a vê.


2.    A evidência   é   o   motivo   supremo da certeza, Isto é, somente tudo o que é evidente é necessariamente verdadeiro, e tudo o que é verdadeiro é necessariamente evidente.

a) Tudo o que é evidente é verdadeiro. É o que provam a natureza e os caracteres da evidência.

Prova pela natureza da evidência. Com efeito, o critério da verdade é o que é ao mesmo tempo necessário e suficiente para que o espírito dê seu assentimento sem temor de erro. Ora, tal é a evidência do objeto: se ela é necessária, é também suficiente, enquanto se impuser ao espírito com uma tal clareza que a dúvida se torne impossível.

Prova pelos caracteres da evidência. A evidência é, com efeito: universal, isto é, ela é a marca de toda verdade certa, de qualquer maneira que tenha sido adquirida, em qualquer ordem que seja, e válida para todos os espíritos que a vejam; — irredutível, no sentido de que ela é absolutamente suficiente a si mesma, a ponto de todos os outros critérios de certeza, assim como os primeiros princípios da razão, o senso comum, o consentimento universal do gênero humano etc, extraírem por sua vez a sua certeza da evidência que lhe é inerente. A evidência é por si mesma a sua própria prova.

Resulta daí que não se pode provar a evidência. É suficiente mostrá-la, assim como não se exige argumento para provar que é dia em pleno-meio-dia: basta abrir os olhos. Segue-se ainda que toda demonstração consiste em fazer brilhar qualquer evidência aos olhos do espírito.

b) Tudo o que é verdadeiro, e apenas isto, é evidente. Dizer que tudo o que é verdadeiro é evidente, não é afirmar que, em relação a nós, todas as verdades sejam atualmente evidentes. O fato da existência dos estados de ignorância, de dúvida e de opinião mostra bem o contrário. Mas esta asserção significa que em si e de direito a verdade comporta a característica essencial de poder ser discernida do erro. Só a verdade goza do privilégio da evidência. Se é verdade que existem evidências ilusórias (alucinação, sonambulismo etc.) não passam de ilusões de evidência. Elas provêm de um estado psíquico anormal. Mas, no estado normal das faculdades sensíveis, intelectuais e morais, só a verdade pode impor-se a nós. Devemos, também, para nos premunir contra as evidências ilusórias, praticar uma higiene a um tempo física, intelectual e moral. É sob esta condição que, segundo a expressão de 

Bossuet, 

"o entendimento, purgado de seus vícios  
e verdadeiramente atento a seu objeto, 
não se enganará jamais".





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